domingo, 15 de abril de 2012

Dia 16 de abril nasceu o escritor Ronaldo Simões Coelho

Ronaldo Simões Coelho (São João del-Rei, 16 de abril de 1932) é um psiquiatra e escritor brasileiro de literatura infantil.

 Ronaldo Simões Coelho por ele mesmo:

"Nasci há 75 anos em São João del-Rei, cidade histórica de Minas, onde nasceu também, muito tempo antes de mim, Tiradentes, o herói da Inconfidência Mineira. Mas só fiquei sabendo disso muito tempo depois. Contaram-me que nasci de olhos fechados, orelhas viradas para baixo (meu pai prendeu cada uma com esparadrapo no lugar certo), feio de fazer dó.

Eu já tinha cinco irmãos mais velhos do que eu. Depois de mim veio mais um. Éramos 6 homens e uma moça. Eu, mais tarde, imitei meus pais: tenho 6 filhos marmanjos e uma única filha.

Minha casa vivia cheia de gente: parente, tias (quem quiser conhecer minha tia avó mais chegada, leia “Tia Delica”, livro que escrevi sobre nossa relação com ela), avós, tios, e uma quantidade incontável de primos e visitantes e amigos. Na enorme mesa, quitutes e quitandas, fartura de delícias, risos e conversas, gente à beça em volta. Tinha um tio que chegava recitando seus poemas favoritos, muitos dos quais sei até hoje; primos com medo de não passarem de ano; esportistas do futebol do vôlei, da natação; os piadistas; os maniados em cinema; os perseguidos políticos pela ditadura de Getúlio Vargas, etc. Havia os estudiosos, os que viviam lendo. Eu entrei nesse time logo que aprendi a ler e a escrever. E nunca mais parei. Era fácil isso, pois livro não faltava na nossa casa. Uns me davam medo, como aquele que se chamava “Podem os vivos falar com os mortos?”, enquanto outros me atraíam, como as aventuras de Tarzan, tudo que havia de Julio Verne, de Erico Veríssimo e, a maior das descobertas: Monteiro Lobato.

A menos de 100 metros de minha casa ficava a Biblioteca Municipal, que comecei a freqüentar desde cedo. O bibliotecário era um sábio, grande músico, além de ser exímio sapateiro, a mesma profissão do pai de Hans Christian Andersen, que também era músico. Ele me introduziu na leitura de Dom Quixote e de outros clássicos. E foi por isso que lhe dediquei um dos meus livros, “Pérola Torta”, tantos anos depois. Há dois anos fui homenageado nessa biblioteca e quase morri de emoção.

Como lá em casa havia a coleção do Tesouro da Juventude, eu o devorei inteiro aos 9 anos de idade.

Havia uma coleção de livros da Melhoramentos que a gente chamava de coleção dos 1500, pois o preço de cada exemplar era 1500 réis. Pequenos, de capa dura, tinham de tudo, desde histórias das Mil e Uma Noites até biografias de escritores. A gente comprava, trocava, emprestava, vendia. Até hoje tenho muitos deles.

Minhas lembranças do grupo escolar, das professoras primárias (muitas delas com quem me comunico até hoje), das férias na terra de minha mãe, onde passávamos pelos anões da Terra Caída, catávamos ouro nas ruas depois das chuvas, explorávamos cavernas, ouvíamos a história da preguiça gigante, do cavalo-da-meia-noite, conhecemos a louca que falava sozinha e que cortava lenha noite e dia, o Três-Orelhas, a Chica Papuda, o Chico Brugudum, o Vica Véia, o homem da mão postiça, a velha careca, o médico doido e o padre maluco.

Tomávamos conta dos passinhos (vejam meu livro “A pedra com o menino”) ou jogávamos bola no adro da igreja (vejam meu livro “O caso dos ponteiros do relógio”), brincávamos de gude, cabra-cega, pular-carniça, pique, pião, diabolô, faroeste, papagaio e mais uma porção de outras brincadeiras, além de freqüentarmos aulas de latim, de matemática, de ciências.

Música era ao vivo, no coreto ou no teatro. Havia discos, com uma música de cada lado, que a gente tocava na vitrola, sendo preciso trocar as agulhas (umas eram douradas e outras prateadas) a cada cinco ou seis discos ouvidos.

Como não existia televisão, uma vez por semana se ia ao cinema, onde faroestes se sucediam, além das aventuras do Capitão Marvel, que era o herói invencível em que se transformava um menino ao gritar a palavra SHAZAM. Esta palavra mágica queria dizer que o herói tinha a sabedoria de Salomão, a força de Hércules, a resistência de Atlas, o poder de Zeus, a coragem de Aquiles e a velocidade de Mercúrio. Outro herói era o Fantasma. E tudo era seriado, continuava na outra semana.

Era muito bom aprender xadrez com o sô Miguel, quando tínhamos por volta de 6 anos. Sô Miguel morava lá no fundo, numa casinha, tinha sido criado por um padre, sabia latim, português, xadrez. Foi nosso mestre. Fui visitá-lo, muitos anos depois, em São Paulo, onde morava com seus 15 filhos.

Lembro dos cheiros que vinham da cozinha e do pátio, onde fogão de lenha e forno de cupim funcionavam o dia inteiro. Cheirosa era também a roupa de cama.

Meu pai fazia esculturas com miolo de pão. Meu irmão logo acima de mim aprendeu a arte e também passou a vida fazendo cachos de flores, animais, piorras, etc. Minha mãe era loura e tinha os olhos azuis. Muito alegre, só a vi muito, mas muito triste mesmo, na época da guerra, quando nossa cidade recebeu jovens do Brasil inteiro, os pracinhas, convocados para ir lutar na Itália contra os alemães.

Depois eu fui pro ginásio, depois mudei pra Belo Horizonte, estudei medicina, casei, tive filhos, contava histórias pra eles e virei escritor de livros para crianças, o que é ótimo, até pela quantidade de gente pequena e grande que passei a conhecer por esse mundo afora."
Belo Horizonte, 2007.
Autor, reconhecido internacionalmente, de livros de literatura infanto-juvenil, tem visto sua obra representar o Brasil nas feiras de Bolonha, de Guadalajara e tantas outras, assim como participa de eventos em todo o Brasil. Premiado pela Biblioteca Internacional da Juventude de Munique, tem diversos de seus livros merecendo o Selo de Altamente Recomendável pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e outros selecionados para projetos como Meu Livro, Meu Companheiro. Um de seus livros recebeu o prêmio Octogone-Chêne, da França. Traduzida no México e na Bolívia, a obra de Ronaldo Simões Coelho se firma como das mais significativas no cenário da literatura brasileira. Seus textos curtos e bem-humorados cativam os leitores. Com 38 livros publicados, e alguns no prelo, vai continuar encantando gerações.

Onde você nasceu e como era a sua cidade?
Nasci em São João del-Rei, MG, há 75 anos. Cidade histórica, berço de Tiradentes, o herói da Inconfidência Mineira. Mas de muita gente mais, como Basílio de Magalhães (grande historiador, membro do IHG, um sábio), o inventor da Cera Dr. Lustosa (que curava dor de dente há mais de 100 e continua curando), do inventor do tinteiro econômico (Dr. José Viegas, que era dentista e ator de teatro), de um dos maiores violoncelistas do mundo, Santiago Sabino (da Filarmônica Real, em Londres), de dom Lucas Moreira Neves (que poderia ser papa), de Alexina Pinto (que foi a primeira folclorista do país) e muitos outros.

Como foi a sua infância?
Sete irmãos, casa cheia, árvores, bichos, brinquedos, primos, tios, avós, visitas, amigos, um mundão de gente. Fogão de lenha, forno de cupim, comidas deliciosas, cheiros bons de tudo, brincadeiras (pião, papagaio, mágicas, pique, cabra-cega, carniça, futebol, gude, natação, faroeste, xadrez, dama, tudo bom demais). E as férias na terra de minha mãe, Prados (cidade de 3000 habitantes, metade de músicos), onde havia os anões da Terra Caida, o Tarola, o Três Orelhas, o homem da mão postiça , a velha careca, o cavalo da meia noite, as festas da semana santa e do carnaval, os circos. E cinema, seriados com Capitão Marvel (SHAZAM!) e tantos outros heróis. E livros e mais livros e contação de histórias.

Como era a escola onde você estudou?
Quando entrei para o grupo escolar onde meus irmãos tinham estudado, Grupo Escolar Maria Teresa, tinha coisa boa (canjica de amendoim, por exemplo) e coisa ruim (o chamado auditório, que era uma reunião pra falar bem do ditador Getulio Vargas). Até hoje muitas das minhas professoras são minhas amigas, me visitam, lêem meus livros, adoro todas elas.

Quais eram os livros que você gostava de ler?
Li o Tesouro da Juventude dos 9 aos 12 anos. A biblioteca lá de casa era enorme. E havia a cem metros a biblioteca pública, onde um sábio, músico e sapateiro (como o pai de Andersen), me iniciou em Dom Quixote e outros clássicos. E Erico Veríssimo, Monteiro Lobato, aventuras de Tarzan, tudo que passasse pela minha frente.

Quando você era criança, já sonhava em ser escritor?
Sempre quis ser médico e escritor. Consegui.

Quando você começou a escrever?
Desde que aprendi a ler e a escrever. Minha primeira história eu escrevi aos 7 anos. Era sobre uma tico-tico chocando ovo de pássaro preto. Nunca a publiquei.

Qual foi o primeiro livro que você escreveu?
O primeiro livro publicado foi “Dois embaixo e um em cima” – hoje esgotado - que vai ser reeditado, sobre um macaco em via de extinção, o monocarvoeiro.

Por que você escreve?
Porque tenho 7 filhos e vivia contando histórias para eles e um dia minha filhinha falou: “pai, para de contar e vai escrever antes que você esqueça da história”.

Alguma história que você escreveu já aconteceu de verdade?
A maior parte. Tia Delica é sobre minha tia-avó, uma fada que morou lá em casa; o Tico-tico da perna quebrada foi porque cheguei em casa e meu caçula estava chorando de dor com a perna quebrada e assim muitos outros.

Qual o poema de Cecília Meireles de que você mais gosta?
Tudo de “Ou isto ou aquilo”. Adoro também Celina Ferreira, infelizmente pouco conhecida, mas elogiada por Drummond, Bandeira, Guignard e tantos outros.

O que você gostaria de falar para as crianças?
Que, se pudesse, ia ser sempre criança.

Entrevista realizada por Leonor Cordeiro, do site O Mundo Encantado de Cecília Meireles
Setembro de 2007

 








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